Habeas Pace – Parte I

Eu voltava para casa naquela quente noite de outono. Uma espécie de fumaça (não, não de poluição) embaçava os ares à frente enquanto, sozinha, uma lua quarto crescente reinava no nublado firmamento. Seu brilho era um tanto quanto fosco, mas reinava, soberana, aquele céu desestrelado.

Ao som de Junco Partner (um blues norte-americano de raiz), de James Waynes, mas interpretada por Hugh Laurie e a Copper Bottom Band, eu seguia pelas ruas. Enquanto passava por uma bem iluminada e movimentada praça, cuja luz amarela fundia-se ao verde dos muitos pinheiros que lá haviam, senti uma paz aterradora.

Não, não era resultado da noite, da estação, da temperatura, da lua, da praça, dos pinheiros, da luz, do céu, terra, mares ou deuses. Nem era resultado da música. A soma de tudo isso não compreendia o que senti naquele momento. Já tinha passado por isso antes. E que atire a primeira crítica quem de paz nunca foi acometido e sofreu! Aquela calma, aquele sorriso que vai se esboçando aos poucos, aquela leveza… E, por um momento, a lua pareceu mais próxima, e o chão pareceu mais distante.

Tudo parecia fazer sentido. Ou melhor, tudo pareceu indiferente ao sentido. Dizem que o mais belo carece de sentido (salve, Quintana!). Isso até que faz certo sentido… Ao contrário do que às vezes busco, não tinha chegado a resposta nenhuma sobre os questionamentos metafísicos, ontológicos ou escatológicos que de vez em quando me brindam. Na verdade, naquele momento não tinha nem perguntas… Não tinha certezas ou dúvidas… Não tinha nada… Só tinha a noite, a estação, a temperatura, a lua, a praça, os pinheiros, a luz, o céu, terra, mares e deuses. E a música; eu tinha a música.

Parecia estar tudo em seu lugar. Se é que as coisas têm um lugar para estar… Eu me sentia no meu lugar. Se é que eu tenho um lugar para estar… Mas independente de lugares, situações, posses ou aparências, eu sentia que o mundo tinha parado; a tensa civilização tinha estagnado; a sociedade, por um momento, deixado de existir. O sonho nietzschiano se tornava realidade na minha perspectiva do real daquele momento. Eu estava muito além (ou aquém) da moral naquele momento. Naquele momento eu estava muito além (ou aquém) do bem e do mal…

 

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