Contemplação

contemplação

Desci do ônibus na última parada enquanto voltava para casa. De súbito, uma imagem me surpreende e arrebata. Passava por ali todos os dias, mas sempre via apenas mais do mesmo. De repente, o novo. Nunca tinha visto aquela diferença. No choque eu reparei; e gostei do que reparei.

A noite estava mais escura que o normal. A lua brilhava um brilho fosco, por trás das espessas negras nuvens. O céu estranhamente desestrelado (permita-me o neologismo), não devido às excessivas luzes da cidade, mas à excessiva e também estranha confusão do clima. A noite estava mais quente que o normal; um calor inesperado para uma comum noite invernal. Continuar lendo

Habeas Pace – Parte III (Final)

O acontecimento do micro objeto não-identificado me fez pensar. Engraçado como a paz é construída e nós simplesmente aceitamos e absorvemos essa construção. Em boa parte das vezes (não seria tolo em dizer todas) que a paz é representada em meios artísticos, seja um texto, música, quadro, filme, os problemas não a acompanham. As situações quotidianas que nos embrabecem ou nos fazem rir de nós mesmos não estão lá. É criada uma imagem ficcional, uma falsa representação de paz com a ausência de problemas. A paz carece de problemas.

Sempre nos deparamos com aquela bela cena de uma pessoa sorrindo um sorriso leve num dia ensolarado ou numa noite clara de lua cheia, o vento soprando calmamente, o som apenas dos pássaros ou das folhas de árvores balançando ou o silêncio “absoluto”. Temos essa representação de uma pessoa em acordo consigo mesma e com o mundo, e o mundo concordando com ela. Continuar lendo

A Espera

Chovia. Eu subo por aquela rua ainda bem movimentada e dourada pela luz dos postes. A noite estava boa (bem, dependendo das concepções particulares de bom…). A temperatura caíra bastante, comparado aos dias (e noites) anteriores; já é possível dar cinco passos sem pingar de suor; o ar está fresco; o clima bem carregado. A noite estava bela. A noite estava boa. E chovia.

Chego ao calçadão. O ponto de encontro. Aproximo-me de uma loja de esquina, já fechada devido ao horário, para proteger-me dos pingos que caem enquanto espero. Um painel de LED pisca anúncios freneticamente na minha frente atordoando-me a vista. Desvio o olhar. O calçadão estava ainda bem movimentado e acinzentado pela luz dos postes. Continuar lendo

Habeas Pace – Parte II

Enquanto eu passava pela praça, tentando, sem êxito, sentir o cheiro dos pinheiros que esverdeavam o ambiente e cujas folhas chocavam-se contra a intensa luz amarela dos postes, aquele momento pacífico foi entrecortado por algo; algo que caiu em meu olho esquerdo. De súbito aquele incômodo se apossou de mim e eu, continuando o passo, tentava com todo o vigor e calma restaurar meu estado anterior, ou seja, tentava tirar o que quer que fosse que estava em meu olho.

Somente quem já teve os olhos invadidos por um “micro objeto não-identificado” conhece o desespero e nervosismo que se instauram na alma de um ser até que o mesmo “micro objeto não-identificado” seja retirado. Ou pareça ser retirado, pois já mais de uma vez me ocorreu de senti-lo, retirá-lo e, mais tarde, senti-lo novamente no mesmo local. Continuar lendo

Habeas Pace – Parte I

Eu voltava para casa naquela quente noite de outono. Uma espécie de fumaça (não, não de poluição) embaçava os ares à frente enquanto, sozinha, uma lua quarto crescente reinava no nublado firmamento. Seu brilho era um tanto quanto fosco, mas reinava, soberana, aquele céu desestrelado.

Ao som de Junco Partner (um blues norte-americano de raiz), de James Waynes, mas interpretada por Hugh Laurie e a Copper Bottom Band, eu seguia pelas ruas. Enquanto passava por uma bem iluminada e movimentada praça, cuja luz amarela fundia-se ao verde dos muitos pinheiros que lá haviam, senti uma paz aterradora.

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