Contemplação

contemplação

Desci do ônibus na última parada enquanto voltava para casa. De súbito, uma imagem me surpreende e arrebata. Passava por ali todos os dias, mas sempre via apenas mais do mesmo. De repente, o novo. Nunca tinha visto aquela diferença. No choque eu reparei; e gostei do que reparei.

A noite estava mais escura que o normal. A lua brilhava um brilho fosco, por trás das espessas negras nuvens. O céu estranhamente desestrelado (permita-me o neologismo), não devido às excessivas luzes da cidade, mas à excessiva e também estranha confusão do clima. A noite estava mais quente que o normal; um calor inesperado para uma comum noite invernal.

A quente brisa da imprevista noite batia em meus olhos arregalados, contemplativos da imprevista imagem. Três curtos passos. Os olhos levantados, perscrutantes. A mão, tão perdida quanto o resto do corpo, encontra um corrimão surpreendentemente gelado. Uns quatro degraus acima. Estava nela novamente e pela primeira vez.

Os olhos vagantes procuravam, ignorantes do quê. Passeantes, tentavam tornar amplo seu curto campo de alcance. Acostumados ao novo, tornaram-se mais atentos. Finalmente percebiam o verde. Mas o verde per se não era tão importante; ela sempre fora verde. As várias árvores que o digam. Em verdade, seu pseudônimo avermelhado remete apenas ao prédio dos Bombeiros a seu lado. Este, sim, é vermelho; sua própria ideia é rubra. Mas a praça, não. A praça é verde.

Tão verde que o verde já era comum. Meus olhos atentos não fitavam especificamente o verde das variadas árvores (que não conheço por nome ou espécie), mas, sim, o dourado. Este era o novo. Pela primeira vez eu via aquela praça cedendo a outra cor, que não o verde. Sim, ela possuía outras cores pontuais: o marrom dos troncos e terra, o preto, cinza e bronze dos postes, corrimãos, chão, construções, grades, busto, a multicor dos brinquedos e aparelhos de ginástica… Mas nada se comparava ao verde. Nem mesmo seu rubro nome possuía semelhante força.

Mas naquela noite eu percebi o dourado. Os postes que durante o dia são apenas mais alguns pontos de metal preto, perdidos em meio ao verde, à noite florescem e brilham um brilho dourado. Inicia-se a ferrenha batalha entre luzes e reflexos. As árvores são muitas, com muitas folhas verdes; os postes, vários, mas com apenas um ponto, cada, de douração. No entanto, as forças são equilibradas. Enquanto as folhas são mais numerosas, os postes são mais efetivos no alcance e distribuição da cor.

O empate torna-se óbvio. E esse impasse, essa mescla descontente entre duas fortes cores, produz um feliz resultado. O ambiente criado torna-se um verde-dourado único. Torna-se uma bela imagem noturna. Mais bela ainda quando vista. Uma mistura que torna ainda mais insignificante a outra cor a que o nome remete. Um composto que torna ainda mais insignificante a noite quente e nublada e, ainda assim, a complementa.

Após alguns segundos contemplativos, sigo meu conhecido caminho, procurando a lua escondida com seu brilho fosco. Encontro nela um estranho brilho dourado-esverdeado… com alguns toques de vermelho.

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