No Café

café

Barulho. O café estava cheio. Cheio demais. Muita gente junta, conversando. Encontro meu caminho por entre elas e acho um lugar ao balcão. Surpreendo-me ao perceber a máquina de café coberta por um pano azul. “Estamos sem café”, informa a atendente. Paciência. “O senhor deseja alguma outra coisa?”, “Por enquanto, não, obrigado”. Me sento numa cadeira alta, de madeira escura e metal claro e almofada entre o laranja e o marrom claro. O balcão de madeira lisa, envernizada me serve de apoio aos cotovelos e antebraços. Uma barra circular de metal reluzente pouco acima do chão sustenta meus pés que batem num cacoete maniático e hiperativo. Recuperando-me do baque da ausência do café, passo os olhos pela parede esverdeada ao fundo, atrás da pia e balcão internos: de um verde claro, entre verde-chá, esmeralda, desbotado, fantasma e menta. Nunca fui bom com cores…

O balcão interno é de madeira clara, altura média, pela cintura, seus noventa graus contêm cinco portas, três delas com fechaduras e todas com pequenos puxadores circulares. O tampo é de mármore. À extrema esquerda, uma pia de metal, torneira plástica branca; um tubo de detergente transparente repousa deitado ao lado da pia; um rodinho de plástico transparente do lado oposto; um espremedor automático de suco, totalmente de metal prateado com detalhes em plástico preto, espera calmamente uma ordem, estrategicamente ao lado de uma das três tomadas visíveis da parede. Na direita do balcão há três pratinhos brancos com o símbolo do recinto estampado em marrom (não saberia descrevê-lo); uma pilha de guardanapos em um suporte plástico, quadrado e laranja; um suporte de metal, decorado em madeira retém várias colheres, também de metal, pequenas, mas compridas; o último suporte está cheio de canudos brancos de listras vermelhas, o clássico porta-canudos de metal. E a cafeteira. A cafeteira no centro-direito do balcão, coberta por um pano azul, fora de uso.

A parede esverdeada atrás do balcão segue seus noventa graus. Contém um suporte de papel na extrema esquerda, depois de uma porta que dá para a cozinha e antes da pia. Suporta uma prateleira de cinco blocos que acompanha seus graus. O primeiro e último blocos nas extremas esquerda e direita possuem quatro níveis. Da sestra (aqui) para a destra (ali). No primeiro nível, aqui, duas taças tulipa, transparentes, e uma xícara de vidro transparente cheia de grãos de café. Ali, duas tulipas; dois copos altos, estes com desenhos gravados que não identifico, e uma taça (copo) mais alta com pó e grãos de café e paus de canela.

No segundo nível, duas garrafas do Vinho do Porto Dom José: uma de Ruby, com rótulo azul, e uma de Tawny, de rótulo vermelho, ambas com a borda e letras douradas; entre elas, uma garrafa dourada, pequena e quadrada do licor francês Cointreau; atrás destas três, um menu. Do outro lado, uma lata de metal com tampa vermelha e os escritos “Ponto dos cafés” e, abaixo, “Tudo para seu café”, acompanhados do desenho de quatro grãos; um pote de vidro, circular, detalhadamente modelado até a tampa com um rótulo que me parece biscuit; duas taças para Martini, altas, corpo fino e boca larga.

Ao terceiro nível, aqui, estão duas xícaras de porcelana branca com o símbolo marrom (assim como os pratinhos), uma com um pirex; entre elas, uma xícara vazia de vidro. Ali, uma xícara branca, como as outras, com um pirex; um pote de vidro semelhante ao do nível acima, apenas maior; quatro copos com desenhos, como os outros, e uma caneca de porcelana branca com um desenho laranja.

No último nível, um suporte de guardanapos do recinto e, como as xícaras e pratos, de porcelana branca e desenho marrom. Do outro lado, três taças de vidro, altas; um pote baixo, circular, de vidro cheio de pó e grãos de café e paus de canela; no canto, um relógio analógico, preto-e-branco, da editora Saraiva.

Nos três blocos do meio há três níveis. Do centro-esquerdo para o centro-direito, no primeiro nível há uma xícara transparente cheia de grãos de café. No bloco do meio, três latas circulares de altura igual e tamanhos diferentes: a primeira, fina e comprida com imagens e texto; a segunda, e maior, de metal prateado; a terceira é mediana e segue o padrão da primeira. No terceiro bloco há três potes similares: circulares, com tampas de madeira ou plástico, os três com desenhos diferentes, todos em tons de marrom.

No segundo nível do primeiro bloco há quatro garrafas: uma do vermute italiano Martini Bianco, pela metade; uma do conhaque Domecq, também pela metade; uma do tradicional rum cubano Bacardi Gold, quase cheia; uma da vodca russa Smirnoff, um pouco acima do meio; há ainda um solitário martelinho entre a primeira e a segunda. No segundo bloco, uma garrafa cheia do mundialmente conhecido licor africano Amarula; um “frade” do licor italiano Frangelico; a famosa “garrafa quadrada com o rótulo a um ângulo de, precisamente, vinte-quatro graus”, quase vazia, do Red Label do whisky escocês Johnnie Walker; uma cheia de bitter italiano, resultado da tradicional fórmula secreta de Campari. No terceiro bloco há duas xícaras de vidro, como as com grãos de café, mas vazias; entre elas, um pote de vidro semelhante aos outros dois, o maior deles.

Ao terceiro nível encontra-se uma garrafa de algo que não identifico; um copo de uísque com algo dentro; oito caixinhas de chá, do verde à maçã, passando pelo preto, camomila e boldo. No segundo bloco há uma bandeja de plástico branco com vários copos, nove, eu diria, quatro com desenhos, como os já citados, e cinco totalmente transparentes. No terceiro e último bloco há treze dos dezessete sabores de licor da marca italiana Stock, indo do café à gianduia ao chocolate, com rótulos muito parecidos; a exceção é a garrafa de creme de menta quase vazia: circular, em comparação às quadradas; fundo abaulado que se afina até o bico e bocal, comparado às outras retas; seu rótulo é verde e branco, comparado aos tons de laranja e marrom dos outros; apenas as tampas são iguais, circulares e douradas.

Uma última passada dos olhos pela parede: três, quatro tubos de fiação que vão do teto a atrás do balcão; apenas um chega a uma caixa de energia quase escondida atrás da cafeteira, todos ao “verde-indefinido” da parede. Uma caixinha de som cinza à altura do teto. É de lá que vem a música baixinha que venho ouvindo… Finalmente sinto o sono que já me puxava vagarosamente. A caixa me lembra da hora. Fiquei todo esse tempo aqui? E sem café?! Pouso os olhos e a caneta. Não vão gostar se eu sair, depois desse tempo todo, sem comprar nada. Mas a cafeteira continua coberta por um pano azul. Fazer o quê…?

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