O Ser e o Não Sou

aos 7 e aos 40

“Ser ou não ser, essa é que é a questão: / Será mais nobre suportar na mente / As flechadas da trágica fortuna, / Ou tomar armas contra um mar de escolhos / E, enfrentando-os, vencer?”. O monólogo de Hamlet, composto por Shakespeare, evidencia a dúvida do personagem em relação ao que fazer, após saber a verdade sobre a morte de seu pai. Em Aos 7 e aos 40 de João Anzanello Carrascoza ocorre uma dúvida semelhante: Sou ou não sou? Pergunta-se o protagonista.

Carrascoza nasceu em 1962, na cidade de Cravinhos, interior de São Paulo. Formou-se em comunicação social e publicou, em 1994, seu primeiro livro, Hotel solidão, obra que lhe rendeu o Concurso Nacional de Contos do Paraná. Assim se inicia sua extensa lista de publicações e prêmios vencidos. Nas primeiras, entre contos e infanto-juvenis, estão incluídos mais de vinte livros, alguns deles são: O vaso azul (1998), O volume do silêncio (2006) e Aquela água toda (2012). Nos segundos encontram-se os prêmios Radio France Internationale, Jabuti e Eça de Queiroz.

Neste seu primeiro romance, chegando ao que poderia ser considerado a maturidade de sua obra literária, Carrascoza desenvolve a história (ou seriam as histórias?) de um personagem sem nome nas idades de 7 e 40 anos (como sugere o título). Conta-a de forma intercalada: um capítulo sobre a infância, outro sobre a maturidade, nos quais os próprios títulos são opostos. O autor muda a forma de escrita e a pessoa, dependendo da idade narrada. Enquanto os 7 são narrados na primeira pessoa e em prosa direta, os 40 surgem na terceira pessoa de forma quase versificada.

A estória dá-se em ambientes de descoberta e aprendizado. Na infância, o primeiro contato com o mundo, como ver, ouvir, perceber as coisas; aprendendo a “ler as pessoas”. Na maturidade, a experiência já obtida e a redescoberta carregada de recordações; aprendendo a ler (e reler) a si mesmo.

Não se sabe ao certo se poderia ser uma criança contando seu futuro, ou um adulto relembrando seu passado. Obviamente o mais lógico seria a segunda opção. O leitor tem a certeza de que o autor trata da mesma pessoa em idades diferentes, no entanto, o texto é produzido de tal forma que poderia muito bem narrar duas histórias de duas pessoas diferentes. Quem é quem?

Carrascoza cria seu personagem em dois ambientes distintos e complementares: a formação de quem se é, aos 7, quando tudo é novo; e a deformação de quem se foi, aos 40, em meio às vicissitudes da vida e certa “crise de meia-idade”. Os conflitos interiores com consequências exteriores tanto constroem quem se é, quanto destroem quem se foi em ambas as partes da vida.

É aí que entra o monólogo hamletiano. A dúvida do personagem de ser quem é e ser quem foi. O saber se o adulto ainda é a criança. Se a criança ainda é o adulto. Se a forma presente aos 40 é uma forma necessária ou apenas possível de quem se foi aos 7. A indecisão sobre o que fazer e que rumo seguir, baseada na dúvida de quem se foi, quem se é e, consequentemente, quem se será.

E este é o cerne da estória de Carrascoza. O ciclo da vida que mostra que todos são mais e menos do que imaginam. Que não importa o quanto tente, o ser humano nunca conseguirá se desvencilhar de suas origens familiares. Que todos os adultos, ao mesmo tempo, são e não são o que eram quando crianças; e todas as crianças são e não são o que serão quando adultas. Que, independente das vontades particulares, a vida simplesmente acontece e, como num ciclo vicioso, muda e se repete.

 

CARRASCOZA, João Anzanello. Aos 7 e aos 40. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

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