A Espera

Chovia. Eu subo por aquela rua ainda bem movimentada e dourada pela luz dos postes. A noite estava boa (bem, dependendo das concepções particulares de bom…). A temperatura caíra bastante, comparado aos dias (e noites) anteriores; já é possível dar cinco passos sem pingar de suor; o ar está fresco; o clima bem carregado. A noite estava bela. A noite estava boa. E chovia.

Chego ao calçadão. O ponto de encontro. Aproximo-me de uma loja de esquina, já fechada devido ao horário, para proteger-me dos pingos que caem enquanto espero. Um painel de LED pisca anúncios freneticamente na minha frente atordoando-me a vista. Desvio o olhar. O calçadão estava ainda bem movimentado e acinzentado pela luz dos postes. Um meio termo (não sei se é de possível compreensão) entre o cinza-chumbo e o prateado. As lajotas do chão refletem a luz do painel de LED e dos postes, bem como de qualquer outra coisa luminosa, formando um mosaico falho de pingos esparsos de luz. E chovia.

Olho o relógio. Cinco minutos. O reflexo da luz do LED me incomoda. Percebo um grupo de rapazes à minha esquerda também protegendo-se da chuva e conversando abertamente, com gestos largos e diferentes tonalidades de voz. Do outro lado do calçadão, na loja da frente, também fechada, um grupo de moças porta-se da mesma forma, sendo apenas mais sutis. À diagonal direita um grupo de estudantes da medicina ou odontologia, a julgar pelas roupas, riem e conversam alto, ao passo que, de tempos em tempos, um deles grita algo num megafone. As palavras não pude discernir. O choro da gaita de Bob Dylan em meus ouvidos não me permitia fazê-lo. Chovia.

Dez minutos. Cruzo os braços e procuro um possível motivo para seu atraso (que ainda não era atraso) que me roubasse a impaciência. Algumas pessoas passam apressadas, umas com, outras sem guarda-chuva; todas (ou muitas), imagino, desesperadas por chegar em casa depois de uma sexta-feira chuvosa de trabalho. Um carro não percebe que o sinal abriu e o nervoso motorista de trás mal espera o sinal abrir para buzinar e xingar o companheiro de situação. Alguns rapazes voltam de uma partida de futebol, passam por mim, um deles se despede e segue seu rumo, enquanto o restante parte na direção oposta. E chovia.

Vinte minutos. Minha esperança permanece em pé. Ela disse que viria. Hoje, ao fim da tarde, confirmou. Lembro que preciso passar numa livraria próxima enquanto admiro o mosaico no chão para fugir do LED que me cega. Talvez ainda esteja aberta. Talvez ela chegue quando eu for. Talvez vá embora por achar que eu fizera o mesmo. Talvez quando eu voltar ela já tenha vindo e ido. Melhor não. Chovia.

Quarenta minutos. Estou parado, com os braços cruzados. Fito o horizonte do chão sem realmente ver algo. Não sei o que fazer. Não tenho seu número. Nosso contato se deu online. Espere. Uma moça. Um guarda-chuva. Vem aproximando-se. Tenho quase certeza que é ela. Não. Não sei o que fazer. Olho para os pingos que passavam à luz dos postes. Olho para o painel de LED. O rapaz continua gritando ao megafone. A gaita de Bob Dylan continua seu choro em meus ouvidos. E chovia.

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