O “Quase-Herói” Goethiano

primeira edição de werther

Folha de rosto da primeira edição de Os sofrimentos do jovem Werther

“Sinto-me feliz por ter partido!” Assim, Johann Wolfgang von Goethe inicia o romance que se tornaria uma de suas principais obras, além de um clássico da literatura mundial. Os sofrimentos do jovem Werther é um romance epistolar, unilateral, sobre um jovem rapaz que deixa sua casa e vai para uma cidadezinha do interior. Epistolar, porque a história é contada através da troca de cartas e escritos entre Werther e seu amigo Wilhelm. Unilateral, porque são apresentados apenas os escritos de Werther, cabendo à imaginação do leitor (auxiliada pelas pistas deixadas por Werther em suas respostas) saber o que seu amigo lhe diz.

Goethe foi um dos maiores escritores alemães de todos os tempos (o maior em sua época). Nascido em Frankfurt, em 28 de agosto 1749, publicou seu primeiro romance (a obra tratada neste texto) aos 25 anos. Durante sua vida, publicou várias obras, como o romance Os anos de aprendizado de Wilheim Meister e o poema épico Hermann e Dorothea, bem como obras fundamentais, como Afinidades eletivas e Fausto. Finalizou a escrita deste último pouco antes de morrer, em 22 de março de 1832.

Em Os sofrimentos do jovem Werther, Goethe conta, através das letras de seu personagem, uma história trágica e dramática. Werther, sentindo-se deslocado, sai da casa de seus pais em busca de um lugar no qual se sentisse bem. Chega a um pequeno vilarejo “feito para almas como a minha”, rico em natureza, silêncio e solidão. Após alguns dias de apreciação do local e contato com as gentes, conhece Charlotte, uma linda jovem que, nas palavras do próprio, cativou-lhe todo o ser. Possuía “tanta simplicidade aliada a tamanha inteligência, tanta bondade aliada a tamanha firmeza, e a paz de espírito orientando-lhe a vida e as atividades”.

Como belo exemplo de texto romântico, em Werther não poderia faltar a mulher (Charlotte, carinhosamente chamada Lotte) que incita a paixão no pobre protagonista que irá sofrê-la. Isto fica evidente logo no início quando, após a caracterização citada acima, Werther afirma: “Tudo isso não passa de palavrório vazio, pobres abstrações, que não transmitem um só dos traços do seu caráter…”

Da mesma forma, não poderia faltar o amor trágico, cerne da obra e outro tópico no qual Werther é perfeito exemplo. Após conhecer Lotte e se apaixonar por ela, Werther descobre que ela está noiva. A narrativa segue com a crescente aproximação entre os dois e com a batalha de Werther consigo mesmo. Após o casamento de Lotte e após ser derrotado pelos seus próprios sentimentos, Werther decide, sem temor, “apanhar em minhas mãos o horrível e frio cálice do qual vou tragar a embriaguez da morte”. Agradecendo a Deus por lhe ter dado tal calor e força nos últimos momentos, decide bater “à porta de bronze da morte com decidida frieza!”

Werther será o herói de toda uma época. Descontente com a realidade social e numa insistente busca por seu lugar no mundo, será o produto completo do mal du siècle. Falará e representará toda uma geração insatisfeita. Assim sendo, não assusta o fato de que muitos leitores, de tão fascinados, seguiram seu exemplo. Foi alto o número de suicídios causados por esta obra.

Entretanto, por outro ponto de vista, Werther pode ser visto como um “herói incompleto”.

Observando o monomito (ou, a “Jornada do Herói”), percebe-se que ele se constitui em três partes: a partida, a iniciação e o retorno. Na primeira está a inquietude, a aventura que o chama; na segunda, os feitos, aprendizados, vitórias e derrotas das aventuras; na terceira, o retorno triunfante do herói a sua casa. Seu maior desafio, a batalha de vida ou morte, ocorre ao final da iniciação e início do retorno, ou seja, finaliza a segunda e inicia a terceira parte.

Em Werther pode-se encontrar um herói derrotado, ou dois terços de um herói. Inquietado, questionador, curioso, ele sai de casa em busca de algo mais. Encontra várias aventuras, pessoas, sensações, aprendizados. Até que, finalmente, encontra-se com ela: sua paixão, seu amor, sua “inimiga”, como diriam as novelas de cavalaria. Mas é impossível, ela está noiva e se casa. Como vencer algo invencível? Quando nem o tempo, nem o afastamento adiantam, Werther vê apenas uma opção.

Goethe, com maestria, fez em Werther o que não seria capaz de fazer consigo mesmo. Despiu-se de seus medos, incertezas e, de certa forma, moralidades e ofereceu ao mundo um “quase-herói” cativante, atraente; um “dois-terços-de-herói” identitário que representa para os leitores, se não o que estão passando, o que passaram ou passarão.

Afinal, o que é o amor? O que é a dor? O que é a morte? Perguntas subjetivas com respostas subjetivas que o autor joga mas não pretende responder. Cada um saiba de si. Quanto à Werther, talvez tenha encontrado seu caminho. Talvez não. “Nenhum sacerdote o acompanhou”, mas talvez ele possa afirmar: “Sinto-me feliz por ter partido!”

 

GOETHE, Johann Wolfgang von. Os sofrimentos do jovem Werther. São Paulo: Abril, 2010. (Clássicos Abril Coleções; v. 7)

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